sábado, 24 de março de 2012

Episódios de Angola ou as aventuras e desventuras de um militar – 1

(Por José Veiga)


No Mucusso pedindo boleia para Vila do Conde


Episódio 1 – A viagem para o Mucusso

Após a nossa chegada a Luanda e de todo o processo estar concluído, chegou o dia, em que deixámos o Grafanil, e partimos em coluna motorizada rumo ao Sul de Angola, mais concretamente com destino à Coutada do Mucusso, que era o lugar que estava destinado para a 2º Companhia, e onde iríamos permanecer alojados durante muito tempo.

No entanto para lá chegarmos não bastou só ir de Berliet em coluna militar. Acabámos por chegar a um lugar, onde estavam destacados militares, não me recordo bem do nome, mas penso que seria o Dirico e onde ficámos em trânsito, até que por fim lá conseguimos chegar, uns de avião (C-47 Dakota) e outros de avioneta, que era o meio de transporte dos frescos e correio, obrigando a que fossem efectuadas várias viagens, devido à fraca capacidade de transporte.

Coutada do Mucusso em 1973

Em serviço na Coutada do Mucusso
Com estas peripécias todas lá se conseguiu reunir a companhia na Coutada do Mucusso onde rendemos a companhia de “velhinhos” que se encontrava de saída, em virtude de terem acabado a comissão de serviço. O Mucusso ficava no Sul de Angola, mais concretamente, no distrito de Cuango Cubango , era uma área, onde cabia Portugal inteiro, e, conforme também o nome sugere, era uma zona rica em flora e fauna, com variadas espécies de animais, em particular antílopes, e onde grande percentagem do deserto de Moçâmedes, também estava inserido, o que motivava a que esta área toda fosse conhecida pela designação de; “Terras do Fim do Mundo”. Era neste cenário que ia começar a nossa epopeia africana.

(…)

"Aprendendo" a pilotra um héli na Coutada do Mucusso

Episódio 2 – A caçada

Certo dia formámos um grupo, para ir caçar, e aconteceu que poucos quilómetros mais á frente, avistámos uma manada de palancas, após as termos perseguido abatemos duas, o que pelas nossas contas já daria para durante uma temporada comermos, bifes, estufado e outras iguarias, melhor dizendo… direito a rancho melhorado.

No entanto a uma das Palancas fui eu que lhe dei o tiro fatal que a abateu. Esta situação aconteceu, porque ao aproximar-me da peça a pensar que estava morta, e estando eu já a dois metros da mesma, ela levanta-se de repente, e eu instintivamente apontei a G3 e disparei dois tiros tendo a dita caído fulminada. Foi complicado em termos cardíacos mas na altura os nossos índices de adrenalina eram excelentes.

(…)


Coutada do Mucusso

Episódio 3 – O dia em que a Berliet virou submarino

Em relação ao menos bom, que também aconteceu, recordo algumas situações de quando íamos para o mato, em reconhecimento, ou noutras operações, que eram designadas pelo comando superior, onde estávamos inseridos, e que em média podiam durar entre três, ou mais dias, a palmilhar terreno em busca de algo relacionado ou parecido com o inimigo, chamados de “turras” por ser diminutivo de terrorista. Felizmente no Mucusso, enquanto lá estivemos, não aconteceu, para nosso bem, nada de significativo que mereça referência neste domínio.

Em 1972, na Coutada do Mucusso, à porta da enfermaria, com duas "beldades" lá do sítio, À direita esta o "Cuba", cantineiro

Porém numa ocasião, aconteceu, num dia em que fomos ao Calai, que era um posto fronteiriço distando uns bons 200 quilómetros do nosso destacamento e que fazia fronteira com a Namíbia, um episódio que merece referência.

Esta operação, de abastecimento de gasóleo, demorava normalmente entre três a quatro dias, dando tempo para trocarmos a nossa moeda por Rands, que era a moeda em circulação do outro lado da fronteira, e procedermos a algumas compras nas lojas existentes, normalmente artigos para higiene pessoal e de vestuário, em especial t’shirt`s.
Numa picada na Coutada do Mucusso

Como não há bela sem senão… No regresso de uma dessas viagens, acabámos por ter um acidente junto da margem do rio Cuíto com uma Berliet que, mal travada, deslizou e acabou por ir parar ao fundo do rio. Neste local existia uma jangada, presa com um cabo de aço entre uma margem e outra, onde com cuidado e bem orientadas, as Berliet, iam para cima da mesma, para atravessar de um lado para o outro. Esta passagem constituía um ponto estratégico, pois para além de proporcionar mais rapidez nas operações militares, era também muito importante para o pessoal civil no seu dia-a-dia. Ficamos ali retidos durante dois dias, até que nos socorressem pois a Berliet tinha, a todo o custo, de ser tirada do fundo do rio e tínhamos de igualmente recuperar as G3, que se encontravam dentro da mesma.
A jangada do Rio Cuito (Dirico) onde ocoreu o acidente

A dificuldade naquela zona do rio, era a existência de um lar de hipopótamos, e não eram poucos, e para se fazer alguma coisa com segurança, era necessário lançar primeiro umas granadas para os afugentar, só então se voluntariaram dois camaradas que mergulharam numa primeira tentativa de recuperação das armas, e posteriormente para a colocação de cabos que permitissem tentar sacar a viatura do fundo do rio. Armas recuperadas, não na totalidade, pois ficaram sete no fundo, uma delas era minha, a Berliet também após bastante tempo, e com enorme custo, acabou por ser recuperada.

Após estarem as operações de resgate encerradas e estar tudo sob controlo lá seguiu a viatura, que foi rebocada até ao destacamento, onde acabou por ser alvo de uma grande manutenção devido a que tinha água, por tudo quanto era sítio. No final tudo correu bem... digo eu!!!


A equipe de futebol da "Formação" na Coutada do Mucusso. Reparem no campo de futebol com a relva (capim) bem tratada
 


Ida ao Calai - abastecimento de combustível


Parte da equipa das transmissões

Com o cabo cripto Oliveir em 1973

Com o Furriel Figueiredo

Com o Rocha de tranmissões


Um abraço,
Zé Veiga

domingo, 4 de março de 2012

RELEMBRAR O PASSADO!

(Por José Manuel Francês)

Esta história poderia começar como tantas outras...



Era uma vez um menino que se habituara a ouvir na rádio de então as crónicas de um jornalista da época, Ferreira da Costa de seu nome, que de Luanda enviava aos microfones da Emissora Nacional histórias de um tempo em que a guerra colonialista começava e que o sistema vigente o obrigou a alterar a sua forma de começar, pois dizia ele..." Daqui Luanda, fala Ferreira da Costa!"... E o Povo tentava perceber que aquilo andava. Uma das múltiplas formas de escapar à censura do lápis azul!
Meu saudoso Pai dizia então à minha Mãe, para a tranquilizar, "tem calma que o rapaz ainda é muito novo e quando chegar à idade de ir para a tropa já esta guerra deve ter acabado há muito!".
Puro engano! A politica de então, com a teimosia de não querer perceber o que se passava, prolongou a situação, e sujeitou gerações de jovens a inúmeras situações ,algumas dramáticas, das quais ainda hoje se sentem os efeitos negativos em tantos e tantos Camaradas.
Muito mais depressa do que seria de esperar chegou o dia de me apresentar na Câmara Municipal de VN Gaia onde a 25.07.1990 fui fazer a inspecção militar... Coxos e mancos, dizia-se, tudo servia e eu que felizmente saúde não me faltava... Dei comigo a receber ordem de apresentação no RI5 das Caldas da Rainha, onde entrei para a 6ª Companhia de instrução com o nº 2007/71 do 3º pelotão.
Findo o período de instrução, ainda hoje sem entender porquê, decidiu o Exército dar-me a especialidade de Enfermeiro e deu-me Guia de Marcha para me apresentar no RI16-BSCF em Campo de Ourique, onde fui o º 360/71/AP - aluno nº 88/71.
Curso efectuado no Hospital Militar em Lisboa, fui de seguida para o HMPE de Elvas, já como 1º cabo miliciano, fazer o estágio.
Tempos que obrigaram a longos períodos de separação da família, mas também cheios de gratas recordações dos novos amigos que se foram fazendo.
Terminada a estadia em Elvas, fui colocado na RAP 2 em Vila Nova de Gaia, sabendo eu que não escaparia à mobilização para o Ultramar.
Na ordem de serviço nº 138 de 14.06.1972 era então publicada a minha ordem de mobilização para o BAT CAÇ 4611/72 - RI16 / RMA.


A mobilização


A mobilização

A 28.08.72 passei rapidamente por Évora, sede do Batalhão ao qual iria pertencer, e fui recambiado de imediato para me apresentar em Santa Margarida no dia seguinte.
Iniciava-se assim a minha vida de elemento pertencente à CCS do BAT CAÇ 4611/72 , de que ainda hoje me orgulho, não só pela prestação que tivemos todos a nível cívico e militar, durante a nossa estadia em Angola , mas sobretudo porque fizemos nascer uma verdadeira FAMÍLIA que nos une ainda hoje a todos .
Chegados a Luanda, ao entrar no Campo Militar do Grafanil , um Camarada que aguardava a hora de embarcar já no seu regresso, mais cacimbado do que alguma vez mais encontrei alguém disse-me: "Olha lá ó maçarico... Não te esqueças de contar os 730 dias que te faltam... se os conseguires contar todos és um felizardo..."



 730 dias...


Aquela história incomodou-me, tenho que o admitir, mas ao chegar a M'PUPA com o SPM 6676 , local do nosso 1º aquartelamento, decidi fazer dois Mapas/calendários, que fui dia a dia inutilizando , dando assim conta dos dias que passavam e que faltavam para chegar aos tais 730 que me fariam um felizardo !


730 dias...


Terminado o período de comissão, chegou então o dia em que recebi o documento que me "passava à disponibilidade"...a 17 de Dezembro de 1974.

Passagem à disponibilidade

passagem à "peluda"
 Hoje, passados tantos anos já, com muitos 730 dias somados, posso partilhar convosco estas datas e documentos, porque felizmente o meu Pai soube guardar-me estes registos.
Senão... restariam apenas os dados memoriais dos mesmos.
O homem de hoje, que foi menino, recorda com saudade os tempos passados então, e guarda no coração a alegria dos Amigos que fez e que estão sempre presentes na minha vida.



BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta