quarta-feira, 28 de abril de 2010

(Por Luís Marques)




 "Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo"

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas (1977)

O Fórum 4611 faz hoje dois anos.

Na manhã do dia 28 de Abril de 2008, de uma forma tímida, incipiente e indecisa demos início a este projecto a que decidimos chamar “Fórum 4611”.
Tal como foi dito logo na primeira mensagem publicada, este blogue pretendia “ser uma homenagem aos antigos militares do Batalhão de Caçadores 4611/72” e que se desejava que “esta página (fosse) um elo estreito de ligação entre os ex militares da C.C.S. assim como com todos os antigos camaradas do Batalhão e de uma forma geral com todos aqueles que de uma maneira ou outra estão ligados a nós – estamos a falar, por exemplo, de familiares dos ex-militares, que connosco convivem há vários anos”
Passados dois anos, pode-se dizer que os desígnios que levaram à criação da página dedicada aos antigos militares do Batalhão de Caçadores 4611/72 foram quase todos alcançados.

Efectivamente, pouco falta para conseguir reunir à volta do nosso blogue os antigos militares das quatro companhias do Batalhão.
Apenas falta que os companheiros da 2ª Companhia nos façam chegar as suas colaborações para conseguirmos o pleno.
Entretanto, foi possível contactar antigos militares das quatro companhias, todos eles assíduos visitantes do blogue.
Está prevista para este ano de 2010 uma confraternização anual englobando os antigos militares da C.C.S e da 3ª Companhia, em organização conjunta, que se espera e deseja se ponha em marcha.
Já em Novembro de 2009, nos convívios anuais da C.C.S. e da 3ª Companhia estiveram presentes, pela primeira vez, alguns militares das restantes Companhias, com destaque para o convívio de 28 de Novembro de 2009, em Abrantes, organizado pele 3ª Companhia, onde estiveram representadas as 4 Companhias do Batalhão.
Estamos convictos que num futuro próximo será possível organizar um, ou até mais que um, convívio global do Batalhão.
Entretanto, as páginas do Fórum 4611 são um testemunho bem vivo da constante reaproximação de antigos militares do Batalhão que há muito andavam dispersos pelos quatro cantos do mundo e que chegaram até nós através das páginas no nosso blogue. Vejam o exemplo do Abílio Hermenegildo que fazendo na Internet uma pesquisa sobre “embondeiro” rapidamente deu, com grande surpresa sua, com as páginas do Fórum 4611. Ele que havia perdido todo o contacto com os seus amigos da 3ª Companhia.
E outros relatos semelhantes se poderiam acrescentar, pois muitos deles nos chegam através da caixa de correio associada ao blogue.
Como o caso do nosso “adoptado” Fernando Moreira, hoje um dos principais dinamizadores do Fórum 4611, e que se aproximou de nós da forma que todos conhecemos, ele que era um rapazito de12 anos apenas quando o Batalhão encontrava estacionado em Cabinda; ou ainda os recentes trabalhos inseridos no blogue de autoria do José Fernandes Borges (1ª Companhia) e do José da Costa Fernandes (C.C.S).
Nestas páginas se têm feito a devida homenagem aos nossos companheiros que o inexorável ciclo da vida e da morte tem levado do nosso convívio, que não da nossa lembrança.
O Fórum 4611 já ganhou um estatuto de destaque no panorama dos blogues com vocação semelhante, destinados a homenagear os antigos combatentes do ex-ultramar português.
Efectivamente poucas realizações semelhantes se podem gabar de terem um número diário de visitante como o nosso Fórum 4611.


Hoje, dia 28 de Abril de 2010 assinalamos mais de 27.000 visitantes. Este número de visitantes são contados desde o dia 5 de Setembro de 2008, data em que o contador de acessos foi inserido. Há precisamente um ano registávamos 5.498 visitas, ou seja, em apenas um ano tivemos mais de 21.500 visitas, média superior a 60 visitas por dias. Houve dias em que foram contabilizadas mais de 200 visitas.
Os visitantes são oriundos dos quatro cantos do mundo, com destaque para Portugal, logicamente, Brasil, Angola, França, Estados Unidos, Suíça, Reino Unido Alemanha, Bélgica, Canadá, Holanda, Itália França, etc., num total de 70 países diferentes.
Mas todos nós temos o dever de contribuir para o tornar o Fórum 4611 ainda maior.
Para alcançar essa meta, torna-se necessário a contribuição de todos.
Continuamos a aguardar pelos vossos trabalhos. Temos todos o dever de contar a história da nossa passagem pela guerra colonial na primeira pessoa e assim evitar que sejam outros a contá-la, designadamente aqueles que nunca por lá passaram e que vão buscar a sua inspiração aos relatórios oficiais, os quais, por regra, são má ficção


domingo, 11 de abril de 2010

Hoje perdemos um amigo

(Por Fernando Moreira)

"Ninguém ainda sabe se tudo apenas vive para morrer
 ou se morre para renascer"

 Marguerite Yourcenar

José Manuel Martins de Melo Duarte

Hoje perdemos um amigo
Há uns tempos estando de volta dos livros de Jean Laterguy, que para alguns de vós foram certamente de leitura obrigatória, pensei, sob o titulo de Centuriões e Pretorianos desenvolver um trabalho sobre o modo como Roma recrutava e mobilizava os seus legionários e os enviava para as fronteiras do império de modo a defenderem este.

Os Centuriões tinham como juramento:
"Povo de Roma, ouvi este juramento:
Prometemos solenemente a nossa força, o nosso sangue, as nossas vidas a Roma. Não recuaremos. Não cederemos. Não nos importaremos com o sofrimento ou a dor.
Enquanto houver luz, daqui até ao fim do mundo, somos por Roma e pela Legião. O Verdadeiro Legionário é aquele que procura, constrói e defende a sua Roma...
O Verdadeiro Legionário é aquele que vive lealmente na fraternidade da sua Legião!
Estaremos unidos como uma familia. Estaremos juntos! Manteremos a união!“
Filipe Silva, Duarte, Teixeira  e Valente
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Pegando neste Juramento; “O verdadeiro Legionário é aquele que vive lealmente na fraternidade da sua Legião!” mantendo-se unidos como uma família; “Estaremos juntos! Manteremos a união”, faz-me pensar nesta família não natural mas de laços talvez mais fraternos que se criou nas várias centurias que Lisboa enviou para as fronteiras limites do império, para as terras do fim do mundo...


O seu Pelotão na Roça Lucola, em Cabinda
Tal como em todas as famílias a história das mesmas faz-se de risos e de dores, de perdas e ganhos e hoje o momento é de dor e de perda na nossa família.

José Manuel Duarte Na Roça Lucola, Cabinda

O Dogma Cristão fala-nos de uma vida para além da morte, os povos antigos acreditavam numa outra vida em que os espiritos continuavam a participar de caçadas nas grandes pradarias, uma canção dos Trovante fala-nos de que Deus só tem aqueles que mais ama, os Cabindas acreditam que a partida das almas se efectua numa barca que faz a ligação entre este mundo e o além e o seu ritual reveste-se de um misto de dor e alegria. Eu consigo acreditar que neste mundo uns têm de partir para dar lugar aos que chegam, mas não entendo a ordem pela qual as escolhas são feitas.

Hoje o dia é de dor, mas procuro acreditar que aqueles que partem primeiro irão esperar pelos que irão depois, conforto-me pensando que este nosso amigo partiu para o seu Vuku e que ali encontrará certamente outros companheiros, familiares e amigos que partiram antes dele e que o ajudarão nesta sua nova existência.

Para nós e certamente para a sua família este nosso amigo existirá enquanto existirmos, enquanto tivermos memória...enquanto a nossa dor se mantiver!


José Manuel Duarte, na Roça Lucola, na varanda da residência dos Oficiais

Na próxima formatura quando se fizer a chamada de José Manuel Martins de Melo Duarte juntemos as nossas vozes e respondamos: !!!Presente!!!

O José Manuel Duarte numa das últmas fotos tiradas em Angola, a caminho de Luanda, após a saída de Cabinda em Novembro de 1974

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Passagem da 3ª. Companhia por Serpa Pinto (3ª parte)

(Por Abílio Hermenegildo)

(clica nas fotos para as aumentar)





Distrito do Cuando Cubango


Em Julho de 1973 o 4º grupo de combate foi destacado para fazer um M. V. L. ao Mucusso, foi mais uma saída em conjunto com o 1º grupo, se não me falha a memória. Esta “viagem” foi então mais longa, 25 dias, cujo percurso foi: Serpa Pinto – Caiundo – Mucundi - Cuangar – Calai – Mutango – Dirico – Mucusso. Estas eram as povoações de maior relevo que todos se devem de lembrar, apesar de também existirem outras, em que se parava para deixar alguns dos abastecimentos nas respectivas lojecas. Tenho ideia dum episódio, não sei se foi neste M. V. L. ou se foi noutra saída: Em plena mata, ao longo do percurso surgiram uns 3 ou 4 indivíduos negros vestidos com uma farda idêntica á nossa farda número 3 a pedirem boleia. A Berliet onde eu seguia parou e nas calmas demos boleia até há zona onde eles pretendiam ficar que foi também no meio da mata,


Chegada ao Caiundo



Travesia de viaturas na jangada do rio Cualir para o Cuangar


Paragem para o almoço no Cuangar - Esplanada do Restaurante

Paragem entre o Cuangar e o Calai
Devido ao sobreaquecimento dos motores das viaturas


Por fim chegámos ao Calai e aí ficámos algumas horas, que além de podermos descansar e refrescar um pouco, também houve tempo para se tirar algumas fotos de certa forma interessantes, das canoas velhas que eram aproveitadas para serem puxadas por uma junta de bois e assim utilizadas como meio de transporte.


Paragem no Calai
Um dos meios de transporte terrestre da população indígena local

Paragem no Calai
Um dos meios de transporte terrestre da população indígena local


Paragem no Calai
Na outra margem do rio é o Rundu (Sudoeste Africano, actual Namíbia), onde ficava a base militar que nos apoiava militarmente (os chamados "primos")


E assim se fazia negócio no Calai, o importante era vender, mal acabavam de ser descarregadas as caixas de cerveja Cuca, que eram vendidas ás caixas e era fácil atravessar a fronteira de canoa com destino ao Rundu que era mesmo ali a dois passos.
(Quando cheguei aos Açores nos primeiros tempos ainda cheguei a beber cerveja Cuca)





Transporte em pequenas canoas grades cerveja Cuca
atravessando a fronteira através do Rio Cubango



Travessia de viaturas na jangada da M'Pupa
Como ficavam os pneus das viaturas durante
o percurso do M V L, muitos ficavam desfeitos


Neste M. V. L. seguia na última Berliet com alguns elementos do 4º grupo e não sei se seguia na mesma viatura o Girão ou o Brandão.  Encerrávamos o “comboio” da coluna das viaturas civis e militares. Recordo que em determinada altura entre o Dirico e o Mucusso aconteceu o que menos se esperava, pois para acender um cigarro era coisa complicada por causa do vento que fazia devido há velocidade da viatura, e cada vez que se acendia um fósforo este apagava-se e o fósforo ia fora. Isto foi feito repetidas vezes até se conseguir acender o tão desejado cigarro e, como das vezes anteriores, deitava-se o fósforo fora. Claro que desta vez o maldito fósforo não se apagou de imediato e pegou fogo ao capim que estava tão seco que ardeu de tal forma que parecia que tinha sido regado com gasolina. A Berliet em que seguíamos ia bastante afastada do resto da coluna por alguma razão que não me lembro. Ora quem ia nas viaturas da frente não sabia o que se passava retaguarda, ao verem uma enorme quantidade de fumo negro, pensaram que tinha acontecido alguma coisa nalguma viatura da retaguarda. De repente surge a Berliet onde seguia o Filipe que veio ao nosso encontro para saber o que se tinha passado.
Algumas fotos dessa queimada:


Primeiros momentos do incêndio na savana
Com o capim extremamente seco depressa
as chamas se alastraram até ao início da mata

Outro aspecto da queimada


A queimada vista de outro ângulo já com a viatura em andamento

Regresso a Serpa Pinto do M. V. L. - Paragem no Caiundo


Para terminar, lembrei-me dum episódio que aconteceu comigo e com o condutor da Berliet, numa das saídas para os lados de Mavinga, e ainda hoje me arrepio ao pensar no que felizmente não aconteceu e poderia ter acontecido.
Depois de sairmos de Serpa Pinto era paragem quase que obrigatória no Longa para se petiscar alguma coisa e beber umas Cucas frescas. Eu seguia na Berliet rebenta minas e ao pararmos no Longa, pergunto ao condutor, que não me recordo quem era nem do nome, onde podia deixar as granadas que levava comigo, de maneira que ficassem escondidas para que ninguém mexesse, pois não dava muito jeito andar com elas penduradas no cinturão. O melhor lugar que ele arranjou foi debaixo do banco pois havia ali um espaço, por baixo onde estava a bateria.
Acontece que nunca mais nos lembrámos das granadas e recomeçámos a “viagem” para Mavinga.
Ao fim de algumas horas sente-se dentro da cabine um cheiro a queimado e algum fumo pois os cabos da bateria tinham-se soltado e estavam a fazer faísca e começaram a queimar a esponja do banco onde ia sentado. Quando retiramos o assento e vimos as granadas lá dentro e ficamos gelados sem pinga de sangue. Escusado será dizer que serviu de lição o susto que apanhámos, pois desde esse dia nunca mais deixei nada guardado naquelas condições. Tenho pena de não me lembrar quem era o condutor, pode ser que ele visite o Fórum e se lembre deste episódio e possa acrescentar mais alguma coisa além da cara com que fiquei na altura. O que é certo é que não tinha chegado a nossa hora, porque se tivesse, nada de nós os dois se tinha aproveitado pois de certeza que tudo teria ficado desfeito com o rebentamento de quatro granadas que estavam debaixo do assento.

Pois bem meus amigos, foi mais uma das minhas saídas e do 4º grupo, das mais longas talvez.
Para todos, aquele grande e forte abraço
A. Hermenegildo

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72

BATALHÃO DE CAÇADORES 4611/72
conduta brava e em tudo distinta